Não parecem entender, porque correm entre os carros e brincam
com as moedas nas mãos, embaixo do viaduto do Glicério. Mas entendem bem. “Tia,
você sabe que eu só faço isso porque não tenho condição, né?”, diz a menina de
8 anos, que cuida dela mesma, do dinheiro, e da irmã de 7.
O mundo que não teve condições para acolher você, menina.
Você tem condições sim. De se desenvolver, de correr atrás dos seus objetivos,
de viver. É inteligente, é cheia de vida. É a realidade que tem roubado o
futuro de você. Sou eu e minhas moedinhas que somos insuficientes.
As meninas têm pais diferentes, mas a mesma mãe, e o mesmo sonho: estudar. Nunca pisaram em uma escola. “Vamos começar no
mês que vem, tia”, diz a mais velha, só por dizer, em uma tarde do mês de
novembro.
Nas horas vagas, uma copia letras, sem saber juntá-las com
sentido. A outra rabisca em cores, sem coordenação motora para desenhar.
Plec, plec, plec, fazem seus chinelinhos de dedo entre a ocupação
em que moram e o “escritório”: a rua sob um viaduto sujo, cheio de poluição,
motoristas fechados no ar condicionado, nãos, nóias. No caminho, dá tempo para
brigarem e se abraçarem, implicarem uma com a outra e brincarem com as formas das nuvens.
“Tia, o farol abriu”, avisa. Ensaia dar um abraço, mas tem
vergonha, encolhe-se, sorri e acena com a mão.
Os carros passam com seus rumos
diversos, enquanto o semáforo continua fechado para elas, vermelho, parado,
esperando que uma mão, visível ou invisível, finalmente aperte a botoeira que
acelere a mudança de cor. Só que, em São Paulo, a maioria das botoeiras não
funciona.